Quem conhece uma criança que tem dificuldade para lidar com frustrações, levante a mão!

Cada vez mais temos presenciado situações em que crianças não conseguem lidar com frustrações e os educadores não sabem o que fazer, tentando de tudo e não atingindo o objetivo de ensinar esta habilidade tão importante para qualquer ser humano.

Muitas vezes uma boa história pode ajudar os educadores nesse caminho e auxiliar a criança com este novo aprendizado.

No meu curso sobre Histórias terapêuticas, os participantes aprendem toda a parte teórica do curso e, em seguida, são divididos em grupos de trabalho, para criarem uma história em conjunto. Selecionam um caso real (sugerido por algum integrante do grupo), definem a intenção da história, escolhem as imagens e metáforas e partem para a redação da narrativa. Vou acompanhando cada etapa: escolha do caso, definição da intenção, imagens da narrativa e assim, a história vai ganhando corpo.

Hoje compartilharei uma história criada em maio de 2022, por um grupo de participantes do curso ‘Histórias Terapêuticas – Criar, Contar, Curar’ no contexto de aprendizagem de criação e escrita de histórias curativas. Este foi um grupo muito criativo, que adorava escrever, composto por Daniela Vieira Rodrigues, Geise Martins, Jessica de Souza, Maria da Graça Tovo Loureiro.

O caso escolhido poderia ser descrito assim: menino de 4 anos, apresentando comportamentos desafiadores aos adultos. Sua professora trouxe o caso para o grupo, na esperança de ajudar seu aluno com uma história terapêutica. Relatou alguns comportamentos da criança na sala de aula:

  • entra debaixo das mesas com frequência
  • anda pela sala engatinhando e algumas vezes fazendo som com a boca como se fosse rugido
  • esconde-se atrás de mochilas e dentro do armário
  • não consegue ficar sentado em vários momentos em que é solicitado a fazê-lo
  • não segue as orientações das professoras
  • não participa da rotina
  • chora
  • reage com raiva quando é contrariado
  • tem resistência a fazer as atividades propostas pelos professores

O grupo definiu como intenção da história:

Aprender a lidar com as frustações de forma positiva.

E agora, vocês poderão conhecer a história criada:

“FIFITO”

Todas as manhãs o sol acorda bem cedinho para iluminar os moradores da Fazenda Florida. Ela tem este nome porque há flores de todos os tipos. As que tem cheiro de grama, as que tem cheiro suave, as que tem cheiro doce e profundo, as que já amanhecem perfumadas e as que perfumam somente as noites. Há flores que são branquinhas e outras que são muito coloridas. Lá na fazenda Florida, também há muitos passarinhos que adoram as flores. Eles moram em um enorme pé de manga que produz frutos bem amarelos, perfumados e muito suculentos. De dar água na boca!

Os passarinhos adoram pular de galho em galho convidando os amigos para tomar banho no rio que fica dentro da floresta junto à fazenda. Dizem que as águas deste rio são mágicas!

E ali bem pertinho, morava uma família de cachorrinhos. A mamãe, o papai e muuuuiiiitos filhotes!

A mamãe acordava bem cedinho para preparar o alimento dos seus filhotes enquanto o papai buscava um leite bem quentinho no curral, que a dona da fazenda dava para ele todos os dias.

Quando o papai voltava para casa, a mamãe já estava contando os filhotes, como sempre fazia. Porque eram muitos. A mamãe servia o leite em uns potinhos e era aquela correria dos filhotes, para ver quem chegava primeiro.  Fifito, era o menorzinho da ninhada. Quando chegava perto dos potes, já não tinha mais comida, porque seus irmãos eram muito mais rápidos do que ele, e além de comer a comida deles, também devoravam a comida do Fifito. E isso deixava Fifito muito triste e muito bravo.

Ele então passava o dia rosnando para os outros e fazendo travessuras. Corria atrás das ovelhas e patos da fazenda, latindo muito e quando eles corriam de volta para pegá-lo, se escondia atrás dos irmãos. Ou trocava os potinhos de lugar e colocava junto das pedras do rio. Depois jogava os cobertorzinhos dos irmãos nas águas e substituía por sementes e folhas. Outras vezes, cavava buracos e deixava cheio de lama o lugar onde costumavam tomar sol. Às vezes, aprontava muito e depois se escondia embaixo do galinheiro só para descansar e logo recomeçar as suas travessuras.

Certa manhã, Fifito viu que o pai fora para o curral buscar o leite, então correu o mais rápido que pode para chegar primeiro que o Puff, seu irmão mais velho, mas Puff o empurrou e derrubou o potinho dele. Fifito até tentou derrubar o Puff, mas não teve força suficiente para tal façanha. Ele então, sapeca como é, ficou furioso com a situação e mordeu o rabo do Puff. Os outros se surpreenderam e Fifito rosnou, mostrando seus dentinhos e correndo para baixo do pé de manga, onde se escondeu no meio das flores.

De repente, do meio de uma florzinha surgiu uma voz:

– Eu estou te vendo! Eu estou te vendo!

Fifito procurou de onde vinha aquela voz que continuou dizendo:

– Eu estou te vendo

Então ele perguntou:

– Quem está aí?

Uma joaninha abriu as asinhas, voou bem rápido e pousou em uma de suas orelhas, que assim como a outra ficava sempre abaixada.  Fifito tentou sacudir a orelha que ficou levantada e a joaninha voou.

Sou a Joanita. Apesar de ser pequenininha, sei tudo o que acontece por aqui. Vem comigo que você vai conhecer Belinha.

E Joanita levou Fifito até Belinha, uma pequena lagarta que estava machucada, e explicou:

– Eu estou cuidando dela. Aquele vento que soprou muito forte ontem derrubou Belinha da árvore.

 Fifito ficou observando quietinho. Não sabia como dava trabalho cuidar de alguém machucado. Mais tarde ele saiu e ficou andando entre as flores.

Enquanto isso, a mamãe de Fifito estava lá contando:

 – 1,2,3,4,5,6,7 e….. opa!! Está faltando alguém! 

Já sei quem está faltando! – disse Puff, – É o Fifito!

– De novo? Precisamos encontrar o Fifito!  ­– disse a mamãe preocupada.

– Eu sei onde ele está! Deve estar procurando algum passarinho para brincar          disse Puff.

E a mamãe foi procurar.  Encontrou Fifito que brincava com os passarinhos e borboletas. E juntos voltaram para casa. No caminho, a mamãe falou:

 – Filho, que susto você nos deu!

Quando chegaram em casa, Fifito viu a mamãe trocar o curativo do rabinho de Puff e lembrando-se de Belinha, se ofereceu para ajudar.

No dia seguinte, bem cedinho, papai saiu para o curral, trouxe o leite e, bem na hora em que a mamãe foi colocá-lo nos potinhos, Fifito correu para chegar primeiro e acabou derrubando todo o leite. Quando ele viu a bagunça que fez, fugiu correndo para baixo do pé de manga. Lá, ofegante ainda, escondidinho, ouviu a voz de Joanita:

– Eu estou te vendo! E ele respondeu:

Sai pra lá. Não quero papo!  E rosnou para a joaninha. Que voou rápido, pousou na orelha dele que ainda ficava abaixada e com voz suave falou:

Vem comigo, vem conhecer a minha casinha. Fifito sacudiu a orelha que ficou em pé e seguiu a Joaninha que foi voando à frente dele.

Ao ver a casa de Joanita, Fifito ficou encantado. Arrumadinha, limpinha e muito cheirosa. Ele elogiou o perfume da casa dela e ela respondeu:

– Você gosta muito do perfume das flores. Mas já reparou que há muitos outros cheiros para conhecer? Do curral, da cozinha, da sede da fazenda, da sua família. Até o seu cobertorzinho que aquece as noites frias tem cheirinho que é só dele. E as águas do rio que corre perto de sua casa tem perfume único, de magia, com tantas flores, peixes e outros animais que vivem por lá.

Depois que saiu da casa da Joanita, Fitito voltou para sua casa e no caminho, ainda corria de vez em quando à procura de passarinhos. E ficou observando os cheiros novos até chegar em casa. Estava tudo muito bagunçado e a mamãe tentando arrumar. Quando viu Fifito chegar, convidou:

-Está na hora de arrumar a bagunça. Vamos lá?

E a casa deles ficou mais linda, mais limpinha e mais cheirosa com a ajuda do Fifito.

Amanheceu outro dia na Fazenda Florida e, novamente, o papai foi buscar leite no curral. Naquele dia, Fifito nem esperou o papai voltar. Logo que acordou, correu e foi procurar a nova amiguinha, Joanita, em sua casa. Mas não a encontrou. Procurou muito e ficou preocupado, pois não a encontrava. Sentiu o cheiro das águas do rio e se lembrou de casa. Recordou-se que a esta hora a família deveria estar procurando por ele para comerem juntos. E resolveu voltar para casa.

A mamãe havia preparado uma refeição deliciosa.  Quando viu Fifito disse:

– Hoje estávamos todos juntos indo procurar você. Porque sentimos muito a sua falta. Cada filhote é especial. Você é muito importante também.

No dia seguinte, Fifito foi procurar a Joanita, mas primeiro avisou à família aonde ia. Ele ficou muito feliz de reencontrar a sua amiga na casa de Belinha, que já tinha se recuperado. A partir de então, as duas orelhas de Fifito ficaram sempre em pé, para grande surpresa dos irmãos que passaram a respeitá-lo.

Já entardecia e a família de cachorrinhos foi à beira do rio, ouvir o som das águas mágicas e ouvir as histórias que papai contava de quando era apenas um filhotinho.

Caso queira conhecer o processo de criação dessa história terapêutica e a estruturação da história, deixo o link do vídeo no qual eu conto esses detalhes:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *