A roda do ano gira e chegamos a mais um Dia das Mães…
Sempre recebo pedidos de histórias para essa data e resolvi compartilhar algumas narrativas que venho pesquisando. Mas é preciso dizer que são histórias que podem ser contadas o ano inteiro, com diferentes propósitos! Caem bem para o dia das mães, mas são histórias para qualquer momento.
Primeiramente, deixarei o texto de dois contos populares: um sulafricano e outro, norueguês. São textos completamente diferentes, mas trazem como pano de fundo o “maternal” que pode viver em cada ser humano.
Vamos conhecer essa seleção especial?
UNANANA E O ELEFANTE (Conto sulafricano)
Há muitos, muitos anos, havia uma mulher chamada Unanana que tinha dois lindos filhos. Eles moravam numa choupana na beira da estrada e quem passava por lá muitas vezes parava ao ver as crianças, soltando exclamações diante de seus braços e pernas rechonchudos, de sua pele macia e de seus olhos brilhantes.
Numa manhã bem cedo, Unanana foi à floresta pegar lenha e deixou os dois filhos brincando com uma priminha que morava com eles. As crianças, aos gritos de alegria, competiam para ver quem conseguia pular mais longe. Quando cansaram, sentaram no chão poeirento diante da choupana para brincar com algumas pedrinhas.
De repente, elas ouviram um farfalhar na grama ali perto e viram, sentado numa pedra, um babuíno com ar intrigado.
– Essas crianças são filhos de quem? – perguntou ele à priminha.
– De Unanana – respondeu ela.
– Ora, ora! – exclamou o babuíno, com sua voz grave. – Nunca vi crianças tão bonitas antes.
Então ele desapareceu e os três continuaram a brincar.
Pouco tempo depois, ouviram o leve ruído de um galho sendo quebrado e, ao erguer a cabeça, viram os enormes olhos castanhos de uma gazela, parada no limiar da floresta, encarando-os.
– Essas crianças são filhos de quem? – perguntou ela à priminha.
– De Unanana – respondeu ela.
– Ora, ora! – exclamou a gazela, com sua voz suave e doce. – Nunca vi crianças tão bonitas antes.
E, com um pulo elegante, ela desapareceu no meio da floresta.
As crianças cansaram da brincadeira, pegaram uma pequena cuia, mergulharam-na num grande vaso de água que ficava na porta da choupana e beberam até matar a sede.
Um rugido bem alto fez a prima largar a cuia de medo. Quando ela ergueu a cabeça, viu o corpo pintado e os olhos traiçoeiros de um leopardo, que saíra furtivamente da floresta.
– Essas crianças são filhos de quem? – perguntou ele, num tom autoritário.
– De Unanana – respondeu ela com a voz trêmula, dando passos lentos para trás na direção da porta da choupana, para o caso de o leopardo dar um pulo.
Mas ele não estava com fome naquele momento.
– Nunca vi crianças tão bonitas antes – exclamou o leopardo, e com um golpe da cauda se esgueirou pela floresta.
As crianças ficaram com medo de todos esses animais que não paravam de fazer perguntas e gritaram por Unanana, pedindo que voltasse. Em vez dela, quem surgiu da floresta com passos pesados foi um imenso elefante com uma presa só. Ele ficou olhando para os três, que estavam assustados demais para se mexer.
– Essas crianças são filhos de quem? – o elefante perguntou para a priminha com sua voz ribombante, balançando a tromba na direção das duas criancinhas lindas que tentavam se esconder atrás de uma pedra grande.
– De… de.. U… Unanana – gaguejou ela.
O elefante deu um passo à frente.
– Nunca vi crianças tão bonitas antes – trovejou ele. – Vou levá-las comigo.
E, abrindo bem a boca, engoliu as duas de uma vez só.
A priminha deu um grito de terror e correu para a choupana. Sã e salva lá dentro, em meio à penumbra, ouviu os passos pesados do elefante ficando cada vez mais distantes conforme ele se embrenhava na floresta.
Só muito mais tarde Unanana voltou, trazendo um enorme feixe de lenha na cabeça. A menininha saiu correndo da choupana, apavorada, e Unanana precisou esperar um bom tempo até ela conseguir contar a história toda.
– Ai de mim! Ai de mim! exclamou a mãe. – O elefante engoliu meus filhos inteiros? Acha que ainda podem estar vivos dentro da barriga dele?
– Não sei – respondeu a menina, chorando ainda mais.
– Bem – disse Unanana, calmamente -, só resta uma coisa a fazer. Preciso ir à floresta perguntar a todos os animais se viram um elefante com uma presa só. Mas, antes de mais nada, tenho de cuidar dos preparativos.
Ela pegou uma panela e cozinhou feijões até que estivessem macios. Então, apanhando sua faca grande e botando a panela na cabeça, mandou a sobrinha cuidar da choupana até sua volta e foi para a floresta.
Unanana logo viu os rastros do animal imenso e seguiu-os por um longo trajeto. Mas o animal não estava em lugar nenhum. Depois de algum tempo, ao passar por algumas árvores altas e folhosas, encontrou o babuíno.
– Ó babuíno! Me ajude! – implorou Unanana. – Você viu um elefante com uma presa só? Ele comeu meus dois filhos e preciso encontrá-lo.
– Siga reto por este caminho até chegar a um lugar com árvores altas e pedras brancas. Lá, vai encontrar o elefante – disse o babuíno.
Assim, a mulher seguiu por aquele caminho poeirento durante um longo tempo, mas não viu nem sinal do elefante.
De repente, uma gazela cruzou seu caminho aos saltos.
– Ó gazela! Me ajude! Você viu um elefante com uma presa só? – perguntou. – Ele comeu meus dois filhos e preciso encontrá-lo.
– Siga reto por este caminho até chegar a um lugar com árvores altas e pedras brancas. Lá, vai encontrar o elefante – disse a gazela, saltando para longe.
– Minha nossa! – suspirou Unanana. – Parece que esse lugar é longe mesmo, e estou tão cansada e faminta…
Mas ela não comeu a comida que levava, já que era para seus filhos, quando os encontrasse.
E foi andando e andando até que, quando o caminho fez uma curva, viu um leopardo sentado diante da caverna onde morava, lavando-se com a língua.
– Ó leopardo! – exclamou Unanana, com a voz cansada. – Me ajude! Você viu um elefante com uma presa só? Ele comeu meus dois filhos e preciso encontrá-lo.
– Siga reto por este caminho até chegar a um lugar com árvores altas e pedras brancas. Lá, vai encontrar o elefante – respondeu o leopardo, virando a cabeça e continuando a toalete.
– Ai de mim! – disse Unanana. – Se eu não encontrar esse lugar logo, minhas pernas não vão aguentar.
Ela cambaleou mais um pouco, até que avistou as árvores altas rodeadas por pedras brancas.
– Finalmente! – exclamou.
Unanana saiu a toda e encontrou um enorme elefante deitado à sombra das árvores com um ar satisfeito. Com uma rápida espiada, viu que ele tinha uma presa só. Aproximou-se o máximo que ousou e gritou, com raiva:
– Elefante! Elefante! Foi você que comeu meus filhos?
– Eu, não! – ele respondeu preguiçosamente. – Siga reto por este caminho até chegar a um lugar com árvores altas e pedras brancas. Lá, vai encontrar o elefante.
Mas a mulher tinha certeza de que aquele era o elefante que buscava e bateu o pé, gritando novamente para ele:
– Elefante! Elefante! Foi você que comeu meus filhos?
– Eu, não! Siga reto por este caminho… – começou a dizer o elefante.
Mas ele foi interrompido por Unanana, que se aproximou correndo, brandindo a faca e gritando:
– Onde estão meus filhos? Onde?
Então o elefante abriu a boca e, sem nem se incomodar em ficar de pé, engoliu Unanana, com panela, faca e tudo, de uma vez só. E era isso mesmo que ela estava torcendo que ele fizesse.
Unanana foi descendo, descendo, descendo na escuridão, até chegar ao estômago do animal. Que visão impressionante teve ali! As paredes do estômago do bicho pareciam uma cadeia de montanhas e, acampados no meio delas, havia pequenos grupos de pessoas, muitos cachorros, bodes e vacas, além de seus dois lindos filhos.
– Mamãe! Mamãe! – eles exclamaram ao vê-la. – Como foi que chegou aqui? Ai, que fome!
Unanana tirou a panela da cabeça e começou a alimentar os filhos, que comeram os feijões com muito gosto.
O elefante começou a gemer. Seus ruídos foram ouvidos por toda a floresta. Para os animais que vieram lhe perguntar qual era o problema, ele disse:
– Não sei por quê, mas desde que engoli aquela mulher chamada Unanana, sinto um desconforto enorme na barriga.
A dor foi ficando cada vez pior, até que, com um último grunhido, o elefante caiu morto. Então Unanana pegou a faca e abriu uma passagem entre as costelas do bicho, pela qual saiu uma fila de cães, bodes, vacas, homens, mulheres e crianças, todos piscando, ofuscados pela luz forte do sol e gritando de alegria por estarem livres.
Os animais agradeceram com latidos, balidos e mugidos, enquanto os humanos deram a Unanana vários presentes, gratos por ela tê-los libertado. Assim, quando Unanana e seus dois filhos chegaram em casa, eles não eram mais pobres.
A priminha ficou radiante ao vê-los, pois achava que estavam todos mortos. À noite, eles fizeram um banquete. Sabe o que comeram? Isso mesmo, carne de elefante assada.
Esse conto da África do Sul traz essa personagem – Unanana – com características bem marcantes. Que tipo de mãe ela representa? Que maternidade ela exerce? Como ela percebe seus filhos?
Essas são algumas perguntas para inspirar suas reflexões!
E vamos para a próxima história!
O URSO BRANCO (Conto norueguês)
Era uma vez, há muito tempo atrás, um rei que tinha duas filhas feias e más, mas a terceira era tão meiga e linda quanto um dia de sol, e o rei e todos gostavam dela. Certo dia ela sonhou com uma coroa de ouro que era tão linda que a moça não podia mais viver sem ela. Mas, como não tinha como obtê-la, começou a se lamentar e, depois de algum tempo, deixou de falar, de tanta tristeza. Quando o rei ficou sabendo que a princesa estava naquele estado por causa de uma coroa, achou que podia mandar fazer uma quase igual àquela com que a princesa sonhara, e convocou os ourives de todos os países do mundo e pediu-lhes que fizessem a tal coroa. Eles trabalharam dia e noite, mas algumas coroas a princesa jogou fora e, para outras, nem sequer olhou. Certo dia, quando estava na floresta, avistou um urso branco que tinha entre as patas a coroa com a qual sonhara, e o animal brincava com ela. A princesa quis então comprá-la.
Não! Não estava à venda, só podia ser obtida em troca de sua pessoa. Bem, não valia mesmo a pena viver sem ela, disse a moça; pouco lhe importava para onde ia ou com quem, desde que tivesse a coroa. E então combinaram que ele viria buscá-la daí a três dias, que seria numa quinta-feira.
Quando chegou em casa com a coroa, todos ficaram satisfeitos porque ela estava feliz outra vez, e o rei achou que seria fácil manter o urso branco à distância. No terceiro dia, todo o seu exército estava a postos em volta do castelo para enfrentá-lo. Mas quando o urso branco chegou, ninguém conseguiu vencê-lo, pois as armas não tỉnham efeito nenhum sobre ele. O urso branco golpeou e socou à esquerda e à direita, até estarem todos caídos no chão em pilhas. Aquela história, pensou o rei, estava se revelando absolutamente desastrosa; então mandou-lhe a filha mais velha; o urso branco partiu com ela nas costas como se fosse uma flecha.
Depois de viajarem muito, muito tempo, o urso branco perguntou:
“Já sentou alguma vez em algo mais macio, já enxergou algum dia com mais clareza?”
“Sim, o colo de minha mãe era mais macio, e na corte de meu pai eu enxergava com mais clareza”, respondeu ela.
“Bem, então você não é a pessoa certa”, disse o urso branco, e levou-a novamente para casa.
Na quinta-feira seguinte ele voltou e fez exatamente o que fizera antes. O exército estava a postos com ordens de matar o urso branco. Mas nem ferro nem aço o feriam, de modo que ele esmagava todos como se fossem grama, até que o rei teve de lhe pedir que parasse. E então mandou-lhe sua filha do meio; o urso branco partiu com ela nas costas rápido como uma flecha.
Depois de viajarem durante muito, muito tempo, o urso branco perguntou à moça:
Já sentou alguma vez em algo mais macio, já enxergou algum dia com mais clareza?”
“Sim”, disse ela, “na corte de meu pai eu enxergava com mais clareza e o colo de minha mãe era mais macio que você.”
“Bem, então você não é a pessoa certa”, disse o urso branco, e levou-a de volta para casa.
Na terceira quinta-feira, ele voltou de novo. Dessa vez lutou mais arduamente que antes, até o rei concluir que não poderia deixar que arrasasse todo o seu exército e, então, deu-lhe sua filha caçula. O urso partiu com ela nas costas e viajou para muito, muito longe, e mais longe ainda, e quando chegaram à floresta, ele lhe perguntou, como perguntara às outras, se alguma vez tinha sentado em algo mais macio e enxergado com mais clareza.
“Não, nunca!”, disse ela.
“Bem, você é a pessoa certa”, disse ele.
Chegaram então a um castelo que era tão magnífico, que perto dele o de seu pai parecia um casebre miserável. Ali ela devia ficar e viver bem, e não teria nada mais a fazer além de vigiar o fogo, para que nunca se apagasse. O urso ausentava-se durante o dia, mas, à noite, quando estava com ela, transformava-se em homem. Durante três anos tudo correu às mil maravilhas. Mas todo ano ela tinha um filho, que, assim que chegava ao mundo, o urso o levava embora. Com isso ela foi ficando cada vez mais triste, e um dia perguntou-lhe se podia ir à casa dos pais visitá-los. Sim, não havia objeção alguma àquilo; mas antes ela tinha de prometer que ouviria o que seu pai lhe dissesse e não faria nada que a mãe lhe pedisse. Em casa, quando a sós com seus pais, a princesa contou-lhes como estava vivendo. A mãe quis lhe dar uma vela para que ela pudesse ver como era o urso branco, quando à noite ele se transformava em homem. Mas o pai disse que não, que ela não devia fazer uma coisa daquelas:
“Isso só vai lhe trazer problemas.”
Mas, pelo sim, pelo não, ela acabou levando a vela quando foi embora. A primeira coisa que fez, quando ele caiu no sono, foi acendê-la e iluminá-lo. Era tão belo que ela pensou que nunca mais conseguiria tirar os olhos dele; mas, enquanto segurava a vela, uma gota de cera derretida caiu-lhe na testa, e ele acordou.
“O que foi que você fez?”, perguntou ele. “Agora você trouxe a desgraça para nós dois. Faltava somente um mês; se você tivesse se controlado, eu teria sido libertado, pois uma velha troll me enfeitiçou, de modo que tenho de ser um urso branco durante o dia. Mas agora tudo acabou entre nós. Agora tenho de me casar com ela.”
A moça chorou e se lamentou, mas ele tinha de ir, e foi. Então ela lhe perguntou se podia ir junto. Aquilo estava fora de questão, disse ele, mas quando ele se transformou novamente em urso, ela agarrou-se aos pêlos mesmo assim, pulou para suas costas e segurou firme. Então eles saíram voando sobre montanhas e colinas, atravessaram bosques e florestas, as roupas dela se esfarraparam e de tão exausta ela se soltou do urso e perdeu os sentidos. Quando voltou a si, estava numa grande floresta, de modo que resolveu seguir sua jornada, mas não sabia para onde o seu caminho a levava. Por fim chegou a uma casinha onde havia duas mulheres, uma velha e uma linda menina.
A filha do rei perguntou-lhes se tinham visto o rei Valemon, o Urso Branco.
“Sim, ele passou por aqui hoje cedo, mas ia tão rápido que você não vai conseguir alcançá-lo nunca”, disseram elas.
A menininha saiu correndo, pegou um par de tesouras de ouro e começou a brincar com elas de tal maneira, que pedaços de seda e tiras de veludo voavam a seu redor quando ela cortava o ar com as tesouras. Onde quer que a tesoura estivesse, nunca faltavam roupas.
“Mas essa pobre mulher, que tem de viajar para tão longe em estradas tão inóspitas, vai ter de trabalhar duro”, disse a menininha. “Ela tem mais necessidade dessas tesouras do que eu, pois vai ter de fazer roupas para si”, disse ela, e perguntou se podia dar as tesouras de presente à viajante. Sim, podia.
E então a filha do rei seguiu seu caminho pela floresta que parecia nunca acabar. Viajou durante todo aquele dia e durante toda a noite também. Na manhã seguinte, chegou a outra casinha. Ali também havia duas mulheres, uma velha e uma menininha.
“Bom dia”, disse a filha do rei. “Vocês têm alguma notícia do rei Valemon, o Urso Branco?”
“Não era você que estava com ele?”, perguntou a velha.
Era sim.
“Bem, sim, ele passou por aqui ontem, mas ia tão depressa que você não vai conseguir alcançá-lo”, disse ela.
A menininha estava brincando no chão com um frasco, que era de tal natureza que dele saía a bebida que a pessoa quisesse, e onde quer que o frasco estivesse, bebida era algo que nunca faltava.
“Mas essa pobre mulher, que tem de viajar para tão longe, por estradas tão inóspitas, vai sentir sede e vai enfrentar muitas outras dificuldades”, disse a menininha, e então perguntou se podia lhe dar o frasco. Sim, claro, podia.
A filha do rei pegou o frasco, agradeceu muito e seguiu seu caminho. Atravessou uma outra grande floresta durante todo o dia e toda a noite. Na manhã do terceiro dia, chegou a uma casinha, onde havia uma velha e uma menininha.
“Bom dia'”, disse a filha do rei.
“Bom dia para você também”, disse a velha.
“Tem alguma notícia do rei Valemon, o Urso Branco?”, perguntou ela.
“Não era você que estava com ele?”, perguntou a velha.
“Sim, era eu.”
“Bem, sim, ele passou por aqui ontem à noite; mas ia tão rápido que vocể nunca mais vai conseguir alcançá-lo”, disse ela.
A menininha estava brincando no chão com uma toalha de tal natureza que, sempre que se dizia para ela, “toalha, ponha a mesa e sirva muitos pratos saborosos”, ela obedecia. E onde quer que a toalha estivesse, nunca faltava boa comida.
“Mas essa pobre mulher, que tem de viajar para tão longe por estradas tão inóspitas”, disse a menininha, “ela pode passar fome e ter de enfrentar muitas outras dificuldades; por isso vai precisar mais dessa toalha do que eu”, acrescentou, e perguntou à velha se podia lhe dar a toalha. Podia, sim.
A filha do rei agradeceu muito, e seguiu seu caminho. Foi para longe, para muito, muito longe, atravessou outra floresta durante todo o dia e toda a noite. De manhã, chegou a uma montanha que era tão íngreme quanto um muro e tão alta e tão grande que ela não conseguia ver onde a montanha terminava. Ali havia uma casinha também e, quando ela entrou, a primeira coisa que ela disse foi:
“Bom dia, vocês sabem me dizer se o rei Valemon, o Urso Branco, passou por aqui?”
“Bom dia”, respondeu a velha. “Será que você é a moça que estava com ele?”, perguntou.
“Sim.”
“Bem, ele passou muito depressa por aqui há três dias a caminho da montanha; mas filhotinhos não conseguem chegar lá em cima.”
Essa casinha estava cheia de crianças pequenas, todas elas agarradas à barra da saia da mãe chorando de fome. A velha pôs uma panela cheia de pedras no fogo. A filha do rei perguntou de que adiantava aquilo. Eram tão pobres, disse a velha, que não tinham comida nem roupas, e era tão duro ouvir as crianças chorando de fome… Mas, quando punha a panela no fogo e dizia “Logo as maçãs estarão cozidas”, parecia que isso diminuía a fome delas, pois ficavam quietas por algum tempo. A filha do rei não demorou em tirar a toalha e o frasco de seu saco de viagem, como você bem pode imaginar; e, depois que as crianças ficaram saciadas e felizes, ela começou a cortar roupas para elas com as tesouras de ouro.
“Bem”, disse a dona da casa, “como você foi tão boa para mim e para meus filhos, seria uma vergonha não fazermos o possível para ajudá-la a escalar a montanha. Meu marido é realmente um mestre no trabalho com metais. Você pode descansar até ele chegar, pois vou lhe pedir para fabricar garras para seus pés e mãos; com isso você vai poder se agarrar às saliências da montanha e subir.”
Quando o ferreiro chegou, começou a fazer as garras imediatamente e, na manhã seguinte, estavam prontas. Ela não tinha tempo a perder, mas agradeceu, ajustou as garras nas mãos e escalou a montanha agarrando-se como podia às pedras e plantas, o que levou um dia e uma noite inteiros e, quando estava tão cansada a ponto de achar que não ia conseguir levantar a mão de novo, sentiu que podia se largar no chão, pois havia chegado ao topo. Lá havia um planalto, com campos e prados tão grandes e amplos como ela nunca imaginara que pudessem existir; e, ali perto, havia um castelo cheio de trabalhadores de todos os tipos, que labutavam como formigas num formigueiro.
“O que está acontecendo aqui?”, perguntou a filha do rei.
Bem, era ali que ela vivia, a bruxa troll que enfeitiçara o rei Valemon, o Urso Branco, e dali a três dias ela se casaria com ele. A filha do rei perguntou se poderia falar com ela. Não, impossível! Inteiramente fora de questão. A moça sentou-se embaixo de uma janela e começou a usar as tesouras de ouro. Roupas de veludo e seda voavam ao seu redor como uma tempestade de neve. Quando a bruxa troll viu aquilo, desejou comprar as tesouras na mesma hora.
“Por mais que os alfaiates e costureiras trabalhem”, disse ela, “não adianta, é muita gente para ser vestida.”
As tesouras não estavam à venda, disse a filha do rei. Mas a bruxa troll poderia ficar com elas se a deixasse dormir com seu amado naquela noite. Claro que poderia, disse a bruxa troll. Mas ela o enfeitiçaria fazendo-o dormir profundamente, e só ela poderia acordá-lo. Na hora de ir para a cama, a bruxa deu uma poção sonífera ao rei Valemon, de modo que, por mais que a filha do rei gritasse e chorasse, nada no mundo o fazia acordar.
No dia seguinte, a filha do rei ficou novamente embaixo da janela, sentou-se e tirou a rolha do frasco, de onde começou a escorrer cerveja e vinho como se fossem rios que nunca secavam. Quando a bruxa troll viu aquilo, quis comprá-lo na mesma hora, porque por mais que trabalhassem na fermentação e na destilação, não adiantava. Havia muita gente querendo matar a sede, disse ela. Não estava à venda, disse a filha do rei, mas se pudesse passar outra noite com seu amado, o frasco seria dela. Sim, certamente ela poderia fazer isso, disse a bruxa troll. Mas ela o enfeitiçaria de novo e só ela poderia acordá-lo. Quando chegou a hora de dormir, a bruxa deu-lhe novamente um sonífero, de modo que a filha do rei não teve mais sorte que na noite anterior. Por mais que ela chorasse e gritasse, não havia como acordá-lo. Mas, naquela noite, um dos artesãos estava trabalhando no quarto vizinho. Ouviu-a chorando ali e adivinhou o que havia se passado realmente; no dia seguinte, disse ao príncipe que ela devia ter vindo, a filha do rei que podia libertá-lo.
O dia seguinte foi como os outros. À hora do jantar, a filha do rei foi para fora do castelo e estendeu a toalha dizendo:
“Toalha, ponha a mesa e sirva muitos pratos saborosos”.
Apareceu ali comida para cem homens. Quando a bruxa troll viu a toalha, quis comprá-la imediatamente, porque por mais que cozinhassem e assassem, não adiantava. Eram bocas demais para alimentar, disse ela. A toalha não estava à venda, respondeu a filha do rei, mas, se a deixasse dormir com seu amado naquela noite, poderia ficar com ela. É claro que poderia, disse a bruxa troll. Só que ela o enfeitiçaria de novo e somente ela poderia acordá-lo. Depois de ir para a cama, a bruxa chegou com o sonífero, mas, dessa vez, o rei Valemon estava de sobreaviso e enganou-a. Derramou a bebida num momento em que ela não estava olhando. A bruxa não confiou mais nele, não confiou mesmo, pois pegou uma agulha e espetou no seu braço para ver se ele estava dormindo mesmo. Mas, por mais que doesse, ele não se mexeu, e então a filha do rei teve permissão de se aproximar dele.
O encontro foi maravilhoso. Mas para se libertarem mesmo, antes eles tinham de se livrar da bruxa troll. Então ele pediu aos carpinteiros que fizessem uma porta-armadilha sobre a ponte por onde deviam passar os noivos no dia do casamento, pois era costume ali que a noiva conduzisse o cortejo. Quando a bruxa troll começou a atravessar a ponte com todas as suas damas de companhia, as pranchas abriram- se e elas caíram. Então o rei Valemon e a filha do rei e todos os convidados correram de volta para o castelo e pegaram todo o ouro e todo o dinheiro da bruxa troll que conseguiram carregar; depois partiram para a terra dele onde celebrariam o verdadeiro casamento. Mas, no meio do caminho, o rei Valemon parou e pegou as três filhas que ele levara para longe da princesa – ela ficou então sabendo por que ele lhe tirara as filhas: para que pudessem ajudá-la a encontrá-lo. E, no grande banquete da festa de casamento, todos comeram e beberam até não poder mais.
Esse conto da Noruega tem a atmosfera maternal de fundo – uma mãe fazendo o seu caminho de individuação. Como você percebe o feminino e o maternal nesse conto?
Mais 3 histórias
E deixo abaixo dois links que te levarão para histórias que poderão tornar o seu Dia das Mães mais acolhedor e com o coração quentinho:
Veja AQUI mais duas histórias que escolhi para o Dia das Mães em 2019: A Mamãe Passarinha e O Hotel Cone de Pinha da Colina das Sequoias.
E AQUI a narrativa Três gotas de água ou Dim, Dam e Dom, que cai muito bem para as mamães que têm mais de um filho e sabem lidar com a individualidade de cada um.
Espero que essa data tão especial seja vivida por você com boas histórias!
Um forte abraço e Feliz Dia das Mães!
Ana Flávia Basso
Que maravilha de contos e das histórias.
Serão guardados na minha mente e claro no meu notebook. Amei ,amei
Como sempre, você sempre nos presenteando com sua generosidade.
Gratidão Ana Flávia ❤️