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Você sonha “acordado”? Acha que sonhar é importante?

No último dia 26 de outubro, participei de um evento para educadores que tinha como tema “Sonhar é preciso”, o ComVida 2024, promovido pelo Instituto Olinto Marques de Paulo.

Desde o convite, pensei que tinham escolhido a pessoa certa para falar a respeito dos sonhos, da capacidade de imaginar. Gosto do tema e cultivo a imaginação e os sonhos na minha vida e o meu trabalho.

Escolhi com muito carinho um conto que trazia os sonhos em suas diferentes facetas, para contar aos participantes e tocar seus corações. Esse conto tibetano virá logo abaixo. Não deixe de lê-lo com calma.

E, depois do conto, falei a respeito do tema. Partilho com vocês algumas reflexões importantes para a educação das crianças.

SONHOS DO DIA E SONHOS DA NOITE

Temos os sonhos diurnos e os sonhos noturnos.

Em geral, falamos mais a respeito dos sonhos da noite, tentamos decifrá-los, entender os seus simbolismos. Quando não nos lembramos deles, nos questionamos: “será que tem algo errado comigo?”

Isso para não dizer dos sonhos que carregam restos diurnos, dos sonhos premonitórios, daqueles sonhos que queremos esconder, dos sonhos que despertam perguntas e nos assombram por dias…

Partilhamos nossos sonhos com diários, pessoas íntimas, em terapia, consultamos dicionários de símbolos…

Os sonhos da noite carregam seus mistérios e têm a sua função de manter o nosso equilíbrio psíquico. À noite, dormimos e restauramos o nosso corpo, a vitalidade, processamos aprendizados e experiências psíquicas. Muita coisa acontece nesse momento de descanso, contração, repouso, guardado pela lua e as estrelas.

Mas não é dos sonhos noturnos que quero tratar hoje.

Quero olhar com você para os sonhos diurnos.

A INFÂNCIA E O SONHAR

Muitos dos nossos sonhos de vida surgiram na infância. Os adultos frequentemente perguntam às crianças: “O que você quer ser quando crescer?”.

E, assim, elas vão construindo imagens, sonhos, possibilidades…

Eu me lembro de que quando brincava de boneca, dizia: “Quando eu crescer, terei um filho com 25 anos. Um menino”.

Tive minha filha com 25 anos. Uma menina.

Com esse relato quero dizer que nem tudo se realiza, mas sementes brotam no coração da criança, com imagens que guardam expectativas, sonhos…

Uma semente de jacarandá que dorme no fundo da terra contém o sonho da árvore jacarandá, da árvore que ela se tornará. Toda a potência de futuro está contida na pequena semente. E para que ela se dirija em direção ao sol e cresça, ela precisa da força de suas raízes.

É assim que acontece com os humanos também: o ser humano que virá a ser, está na criança. É importante atentarmos para as narrativas do brincar que as crianças trazem, suas preferências, seus talentos que se mostram desde que são sementes-crianças.

A fantasia, a partir do seu mundo interior, se revela para os educadores ainda em códigos, símbolos, imagens do brincar.

E você, com o que sonhava quando era criança?

Os sonhos que estão nas nossas raízes, na infância, precisam ser revisitados. Faz parte do nosso autoconhecimento. O que será que eu realizei, o que será que eu transformei e do que desisti?

Quando a gente olha para a nossa infância, como o olhar de um adulto acolhedor, podemos acolher os sonhos da nossa criança com gentileza e ver como os sonhos pulsam com vida na alma de uma criança que não vê limites, não enxerga barreiras e vislumbra o possível e o impossível.

ENTRE O TER E O SER

Bem, mas é preciso dizer que o nosso mundo está tão doido que incentiva demais os sonhos do TER. ‘Quero ter uma casa assim, um carro assim, roupas assim, brinquedos assim, bens materiais assim…’

É muito bom desejar e ter conquistas materiais. Mas não podemos nos esquecer das conquistas interiores, do SER. Precisamos cultivar nas crianças o seu mundo interior, que forma as imagens de um ser humano melhor e de um mundo melhor para todos.

Para isso, podemos pensar no mundo com o qual sonhamos para as nossas crianças, que gostaríamos de ver materializado. Não importa se você verá o mundo com o qual sonha. Mas é importante sonhar e agir para que ele se manifeste em algum momento, mesmo que não usufruamos dele.

Eu, por exemplo, sonho com um mundo:

– com crianças que são vistas e reconhecidas em sua individualidade e que, com isso, conseguirão viver os seus propósitos;

– com infâncias preservadas, com a cultura local protegida;

– com escolas em meio à natureza, que não aceleram etapas, que respeitam o tempo da infância, as fases de desenvolvimento e o ser individual de cada uma;

– com sociedades em que a coletividade, a diversidade e a fraternidade estejam em ascensão;

– com sociedades em que os mais velhos sejam respeitados e valorizados pela trajetória percorrida;  

– com cidade verdes, com espaços bonitos e bem cuidados, com ciclovias, praças, parques –  cidades que pensem nas crianças, idosos, todos os seres da natureza em convivência;

– com pessoas conectadas aos ritmos da natureza, com rotinas que respeitem a vida, o descanso, os talentos e não só o consumo desenfreado;

– com uma comunicação mais amorosa e respeitosa, que venha do coração;

– com sociedades que cultivem o contar histórias como cuidado anímico, pois as histórias nutrem nossa alma e nossos sonhos.

Bom, só coloquei alguns sonhos… Tenho outros mais!

Sem sonhos, eu não teria forças para me levantar e trabalhar por eles. Eles são meu combustível e movem em mim um amor pelas crianças e por todo os seres da natureza.

Você pode lê-los e falar: ‘Nossa, ela está fora da realidade! Nunca alcançará tudo isso’.

Preciso dizer que não espero ver tudo isso materializado antes de morrer. Essa não é a minha condição para sonhar: ‘só vou sonhar com o que poderei realizar’.

Não! Meus sonhos mostram quem eu sou. Criam uma atmosfera na qual quero viver. Atraem pessoas com afinidades. E acabo vivendo como sonho e como almejo.

E assim, ele deixa de ser só um sonho. Vai se realizando nas pequenas coisas, nos detalhes da vida. E vira realidade. Vira a minha vida, a minha história, a minha biografia.

Com o que você sonha?

Sugiro que faça a sua lista, sem medo, sem limitações. Que investigue bem fundo no seu coração – de adulto e de criança – aquilo que te move. Os seus combustíveis. E que não tenha medo de sonhar grande, amplo, fundo, dentro.

(Faça a sua lista, hein? Não deixe para depois).

E depois de olhar para dentro, precisamos olhar para fora, para as nossas crianças, que estão cada vez sonhando menos, cada vez mais sobrecarregadas com as preocupações e concretudes do mundo adulto…

Precisamos cuidar do tempo e do espaço favoráveis para que elas sonhem e cresçam com um mundo interior rico de boas imagens. É claro que contar boas histórias ajudam nesse caminho!

Mas esse é um papo para o próximo texto.

A seguir, deixarei a história que contei no evento.

Leia-a com o coração aberto, deixando a cabeça de lado, mergulhando no fio de suas imagens.

AQUI: O UNICÓRNIO (Conto Tibetano)

Boa leitura!

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