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Quando entrei em contato com a Susanne, convidando-a para escolher uma história que pudesse aquecer o coração de outras pessoas, já sabia que ali a terra era generosa, fértil. Além de ter um repertório variado de narrativas, ela é um ser que irradia entusiasmo! Quando me respondeu em áudio, seu ‘bom dia!” já revelava que ela tinha gostado do convite. E revelo a vocês: ela não enviou apenas uma história. Mas, sim, quatro!
Sua reposta dizia mais ou menos assim:
“Quando ouvi o seu áudio, lembrei logo de uma história que se chama ‘Sara’. Ela é de uma belga, contemporânea nossa. Eu gosto muito. Fala de uma aldeia, onde vive essa menina Sara. Um dia essa aldeia passa por uma crise. E a menina se transforma totalmente. Quando tudo passa e a vida da aldeia volta ao normal, o povo vê que a menina está transformada. Eu vou buscar essa história, preciso procurar essa história. Eu vou procurar! Fica pra mim a pergunta: Que portas e janelas a gente deve abrir?”
Poxa, eu que não conhecia a história fiquei super curiosa! Parecia criança pedindo ao avô para se lembrar daquela história de infância…
Bem, vamos conhecer a Sara! A história está aí. Para todos nós. E meu coração só tem gratidão pela generosidade da Susanne.
Espero que você deixe essa história entrar em seu coração…
Sara, a menina ingênua
(de Jeanne Meijs, tradução do alemão: Paula Bennink)
Era uma vez um povoado onde viviam muitas pessoas simples e bondosas. Tinham construído uma capelinha com uma torre bem fininha. Ali podiam rezar e se reunir com seus filhos recém-nascidos, seus noivos e lembrar os falecidos bem-amados.
Trabalhavam nas roças ao redor do povoado, a colheita de verduras e cereais sempre era boa. Viviam em harmonia uns com os outros, cuidavam dos animais que os ajudavam na lavoura ou lhes forneciam leite e ovos.
Na margem deste povoado morava uma menina ingênua de nome Sara. Morava sozinha num rancho no meio da roça, uma criança sem mãe, sem irmãos.
Os olhos de Sara viam tudo, mas não entendiam nada, seus pés corriam por todo lado, mas não chegava a lugar nenhum. As pessoas a tratavam bem, ela as ajudava na lavoura sem, no entanto, representar uma ajuda eficaz. E assim todos viviam bem e em paz e tudo teria ficado assim se o bom Deus não tivesse decidido diferente…
Um dia os moradores olhavam para as montanhas e perceberam no Leste o brilhar de armaduras prateadas; os raios de sol refletiam–se nas armaduras de um exército se aproximando. Todos se assustaram, trancaram suas casas, os portões, os estábulos e fecharam as janelas. Escondiam–se, escondiam também os animais, parecia que o povoado todo estava morto.
Sara, a menina ingênua não se assustou com as armaduras, seus olhos olhavam e de repente tornaram–se sábios.
Ela abriu todas as janelas, portas e o portão da cerca do seu jardinzinho.
Escutavam-se os estrondos dos pés, via–se o brilho das armaduras e escutava–se uma música jubilosa e imponente.
Quando tudo retornou ao normal, as pessoas, aos poucos, apareciam de novo. Tudo era como sempre e, aos poucos, com certo receio, retornaram aos seus trabalhos.
Quem se tinha transformado era mesmo a Sara.
Sara vestiu uma armadura prateada que brilhava e resplandecia na luz do sol.
Sara entrou no seu rancho e pegou um pano de linho cru, cortou um buraco no meio e enfiou na sua cabeça.
Agora a armadura prateada ficou escondida embaixo do pano.
Seus olhos viam tudo mas também agora compreendiam tudo.
Os seus pés corriam e em qualquer lugar que ela pisasse tudo se transformava, continuamente.
Os moradores corriam para vê-la, mas não conseguiam entender o que tinha acontecido.
As pessoas a seguiram sem nem se perceber disso.
Sara recolheu todos os cestos e os enchia com a boa colheita dos últimos sete anos. Em silêncio os levou a um grande campo bem longe do povoado.
Aconteceu que neste dito lugar a terra se abriu, e da fenda surgiu um terrível dragão subterrâneo. O dragão devorou a colheita dos últimos sete anos. Ele a apreciava imensamente. Em seguida também engoliu a menina Sara.
Assim o dragão retornou ao abismo procurando sossego nas trevas da terra.
Mas ele não a apreciava porque nada na sua barriga ficou igual. Ele começou a cuspir fumaça e fogo, sua enorme cauda batia de um lado para o outro, mas de nada adiantava.
A armadura prateada de Sara brilhava tanto que transluziu através da carapaça do dragão. E os pés de Sara pisoteavam tanto as entranhas do dragão até ele a cuspir para fora.
Só que nem isso adiantava. Tudo continuava se transformando porque Sara andava nos mais profundos abismos da terra onde até agora nenhum ser humano jamais tinha tido coragem de penetrar. E em qualquer lugar que ela pisasse nada ficava igual, tudo se transformava.
A terra se alegrava de ver tanta luz e tanta vida nas profundezas da terra.
Num lugar mais fundo que fundo existia uma fonte a mais antiga de todas e quando a luz a tocou de leve ela começou a jorrar com toda força. Parecia estar à procura de ar, luz e calor.
O dragão ainda tentou impedir sua passagem, mas só conseguiu ser arrastado até que se afogou.
A fonte primordial e mais antiga começou a jorrar das profundezas da terra à procura de ar, luz e calor. O dragão que não conseguiu mais selar a fonte primordial se afogou.
Sara se deixou levar pelas ondas das correntezas até a superfície da terra.
O rio era tão poderoso e tão cheio de água saudável que cada vez mais pessoas e animais migravam para viver às suas margens.
As crianças se banhavam nesse rio, quando a lua estava cheia as pessoas se reuniam às suas margens para ouvir belas histórias, dançar e entoar um canto tão profundo quanto o Rio, era quando nada parecia lhes faltar.
Nos seus sonhos as pessoas muitas vezes viam Sara no meio dos lutadores de armaduras prateadas. Perderam seus medos e regavam suas roças com a água viva. E esperaram até que um dia também seriam chamados.
Eles sempre deixavam suas portas e corações abertos…
Neste tempo de espera, os olhos dos moradores viam muito, mas ainda não entendiam tudo, seus pés andavam longos caminhos sem, no entanto, avançar. Mas eles estavam cheios de esperança porque tinham certeza que nada ia ficar igual, que tudo podia se transformar.
Susanne Rotermund, artista. Autora do livro A África em nós – a cultura dogon, cadernos pindorâmicos 2, Editora Barany (veja AQUI)
Se despir do medo, ocupar-se com o trabalho e o viver, buscar a evolução plenos de esperança. Portas e corações abertos.
Sara é uma história que conheci agora e conquistou o meu coração. Também estou com a imagem das portas e corações abertos… Abraços
Passarei a partir desta oferta de nome Sara, abrir portas, janelas, portões dentro de mim. Sei agora o que é nunca mais voltar para o mesmo lugar, depois que conheci Sara.
Grata
Eneliz, essa história me arrebatou. Gostei muito de conhecê-la e estou imersa em suas imagens ainda… Que bom que gostou dela. Abraços