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Zequinha é desses sujeitos de alma suave, sorriso fácil e prosa solta. Sempre de bem com a vida, não perde oportunidade de contar uma história, uma piada, ou fazer uma pilhéria.
Um dia de janeiro ou fevereiro de 2015, ele me relatou como conheceu Maria, seu grande amor. Eu fiquei demasiadamente encantado com aquele belo e instigante enredo, cheio de idas e vindas, norteado pelo amor e, sobretudo, pela resiliência.
Eu percebia notas de saudade e emoção em cada palavra proferida por Zequinha, enquanto ele me contava dos deleites e desencontros que compõem aquele fato sublime de sua biografia.
Depois de ouvir, comovido, toda história, eu, que não ouso me considerar um cordelista, pedi-lhe que, quando dispusesse de algum tempo, me escrevesse seu relato, pois vislumbrei ali a possibilidade de uns versos. Em menos de duas horas, Zequinha me entregou duas laudas escritas a punho.
Fiquei empolgado e disse que faria de tudo para aprontar até o dia das bodas de prata. Entretanto, por uma série de motivos, o cordel só veio a se concretizar cinco anos depois. Ei-los:
O amor paciente de Maria e Zequinha
(Dado Ribeiro Pedreira)
O amor quando é pra ser
não tem nada que o impeça.
Pode desviar a rota,
pode a vida pregar peça,
mas a flecha do cupido
tem direção e sentido
certo e cumpre a promessa.
No ano 78
lá do século passado,
um Zequinha ainda jovem,
responsável e honrado
saiu de Itapetinga
para passar na caatinga
uns dias de seu agrado.
Na casa da tia Roxa
e do seu tio João,
com os primos Bia e Neide,
amigos do coração,
num lugar de belo céu,
chamado Barra do Mel,
passou aquele verão.
Um dia foi passear
na casa da vó de Bia
e lá ele conheceu
a pequenina Maria,
menina de oito anos,
sem desconfiar dos planos
que Deus pra ele cosia.
Voltou para Itapetinga
e sete anos depois
deu de passar alguns dias
na Barra do Mel e foi.
Na data que voltaria,
o maroto primo Bia
pediu que ficasse, pois
haveria uma missa
na região de sua vó,
mais dois dias esperasse
e seria bom que só
Falou que umas primas tinha
bonitas e já mocinhas
e Zequinha achou melhor.
Na tarde do dia certo
chegaram no povoado
e logo Bia sumiu,
porque quando olhou pro lado
viu as duas namoradas
e saiu em disparada
pra não ser visto e chamado.
Felizmente a tia Roxa,
para a sorte de Zequinha,
estava lá no local
com a sua barraquinha.
Zequinha ficou por lá,
atento, a observar
todas aquelas mocinhas.
Foi quando ele avistou
e reconheceu Maria,
aquela que, há sete anos,
era uma menininha
e agora, tão diferente,
uma linda adolescente
enfeitiçando Zequinha.
O cabra se aproximou
daquele grupo de primas,
eram nove moças juntas,
e já foi sentindo um clima
de paixão e poesia,
pois nos olhos de Maria
seu coração via rima.
Prosa vai, conversa vem,
chegou a oportunidade:
Zequinha propôs namoro
com muita sinceridade.
Declarou seu sentimento,
já pensando em casamento
com sua cara-metade.
Ela não disse que sim,
mas também não disse não.
Pensaria com carinho
e com bastante atenção,
pois outro moço queria
namorar-lhe, então ia
tomar uma decisão.
Só que antes disso tudo,
Zequinha fez amizade
com Francisco, pai da moça,
sem saber que ali, mais tarde,
ele se apaixonaria
justamente por Maria.
Foi divina essa vontade!
E pra confirmar que foi,
seu Francisco já havia
convidado o novo amigo,
pra voltar depois de uns dias
e mostrou no calendário
a data do aniversário
de um dos irmãos de Maria.
Então ficou combinado
entre Zequinha e Maria
o dia pra conversarem,
pois em junho ela teria,
com certeza, uma resposta
segura sobre a proposta
e tudo resolveria.
No outro dia, Zequinha
voltou para sua terra
carregando uma certeza
de que seu peito não erra.
Estava bem confiante
e seus olhos, mais brilhantes,
sorriam descendo a serra.
Se passaram alguns meses
e acabou-se a agonia..
Zequinha arrumou as malas
pra rever sua Maria,
Foi na véspera, passar
o dia e pernoitar
na casa do primo Bia.
Lá havia umas meninas,
bonitas, primas do primo.
Zequinha, bom cavalheiro,
desde os tempos de menino,
cumprimentou-as, com gosto,
dando beijinho no rosto,
como manda o figurino.
O tempo quase não passa,
mas chegou o grande dia.
Zequinha se produziu
e se encheu de alegria
(fazendo planos na mente),
pois teria, finalmente,
a resposta de Maria.
De noitinha ele chegou
na casa de sua amada
com tia Roxa e o primo Bia.
Ela estava animada,
dançando com um primo seu,
mas parou e recebeu
todos na porta de entrada.
Tudo parecia bem,
Zequinha foi conhecendo
toda família da moça
e por isso estava crendo
que o namoro era certeza,
mas Maria, com franqueza,
lhe chamou e foi dizendo:
“Eu estava lhe esperando
para a gente se acertar,
mas uma amiga me disse
que eu deixasse de esperar
e tratasse de esquecer,
pois com ela é que você
já estava a namorar”.
A tal amiga era uma
daquelas primas de Bia
que estavam na casa dele
na véspera desse dia
e que Zequinha, educado,
no rosto tinha beijado,
como de praxe fazia.
Zequinha ficou perdido
e tentou argumentar,
mas não teve jeito mesmo,
ficou triste a lamentar
e fugir da intrigueira
que passou a noite inteira
tentando se aproximar
Dia seguinte voltou
para casa desolado
com um sofrimento doído
e o coração frustrado.
Mas, depois de alguns dias,
fez um bilhete a Maria
falando do seu estado.
Passaram-se uns dois meses
e Maria retornou
dizendo que descobriu
a mentira que inventou
sua amiga e prometeu
reparar o erro seu.
Combinado, então, ficou
que no mês de fevereiro
do ano de 86
haveria um novo encontro
para definir de vez
se namoro ou amizade.
Sendo de Deus a vontade,
todos ganham no xadrez.
Na data estabelecida,
Zequinha pegou a estrada
com a esperança no peito
e a alma sobrelevada.
Não cogitava recusa,
pois tinha fé que sua musa
seria sua namorada.
Desse jeito aconteceu:
foi com Bia e seu irmão,
Antônio, pra casa dela,
numa quinta de verão.
Dormiram e no outro dia,
ele ouviu SIM de Maria
e segurou sua mão.
Mais tarde voltou pra casa
feliz e realizado,
com o coração aos pulos
e um sorriso escancarado,
mas em todos os momentos
só pensava em casamento
e em ter Maria ao seu lado.
E no fim do mesmo ano
foi rever sua paixão,
reuniu toda a família
e pediu a sua mão.
Zequinha ainda foi ousado,
disse querer respostado
ali, sem enrolação.
Então o Senhor Francisco
perguntou para Maria
se ela estava disposta,
se era o que ela queria.
Maria disse que sim.
Ficaram noivos, enfim,
e plenos de alegria.
Retornou pra Itapetinga
contente feito criança.
Acreditou no amor
sem perder a esperança
e no mês de fevereiro
de 87, o matreiro
já levou as alianças.
Acompanhado da mãe,
do irmão e de uma tia,
foi confirmar o noivado
com sua amada Maria
e o compromisso se fez.
Marcou que no mesmo mês
do outro ano casariam.
Tudo certo, data e hora
anotadas num papel,
mas no fim daquele ano
houve uma seca cruel.
Francisco não colheu nada
e a festa foi adiada
na boa, sem escarcéu.
Ficou para fevereiro
do ano seguinte e tal,
mas um ou dois meses antes,
Francisco ficou bem mal,
por pouco não foi pro céu.
Picado de cascavel,
foi parar no hospital.
Foram dias internado
e adiado novamente
o tão sonhado casório
para um ano mais na frente.
O destino pirraçando
e o casal se revelando
cada vez mais paciente.
Fevereiro de 90
Zequinha foi encontrar
Seu Francisco e Maria
em Conquista, pra marcar,
no cartório, o matrimônio,
pois, com fé em Santo Antônio,
dessa vez iam casar.
Marcou, então, para o dia
3 de março desse ano
e sem que eles esperassem,
um susto invadiu os planos
houve um trágico acidente
com um caminhão cheio de gente,
causando tristeza e dano.
Três pessoas faleceram
naquela dura ocorrência.
Seu Francisco estava lá
e por santa providência,
quebrou costelas e um braço,
mas livrou-se do abraço
da morte na experiência.
Faltavam bem poucos dias
para a data esperada
e tudo indicava que
seria a festa adiada
de novo, mas seu Francisco
disse que não tinha risco
da data ser remarcada.
E naquele dia 3
de março tão desejado
Zequinha e Maria, enfim,
tornaram-se bem casados,
no cartório e na igreja,
sem foguetório, ou seja,
deixando a festa de lado.
Casaram no Seminário
de Vitória da Conquista,
receberam os cumprimentos
E pegaram logo a pista
direto pra Itapetinga,
Maria, flor da caatinga
e Zequinha, o paisagista.
Depois de três anos veio
Tailan, o primeiro filho
e seis anos depois dele,
José, completando o brilho
de uma família agradável,
bonita e respeitável
que procura andar nos trilhos.
Trinta anos de casados
fazem Zequinha e Maria,
honrando e respeitando
um ao outro dia a dia.
E aposto, jogando dados,
que se voltasse o passado,
tudo de novo fariam.
Dado Ribeiro Pedreira é poeta e letrista de música popular. Natural de Santo Amaro, foi co-fundador do grupo de recital Inéditos & Dispersos, com o qual um disco recitando poemas seus e de outros poetas santamarenses, em 2004.
Em 2015 lançou seu primeiro livro, Saveiros de papel e participou da coletânea Cantares de arrumação – Panorama da nova poesia de Feira de Santana e região, ambos pela Editora Mondrongo. Atualmente, está preparando seu próximo volume de poesia, Ostensivo silêncio.
Lindo… Fiz uma linda viagem entre Itapetinga.. Vitória da Conquista e a Caatinga.. PARABÉNS
Que bom que você conseguiu viajar com o coração, Lienai! Abraços