A 5a história da Semana Especial Fadas, uma semana só com histórias que tenham Fadas em seu enredo, chama-se “O Presente do Pardal” e vem lá do Japão!

Escolhi essa narrativa para fazer parte dessa seleção por vários motivos. Um deles é que o pássaro da história (no caso, o pardal) é uma fada, na verdade. Pássaros e fadas têm asas, voam, encantam as crianças e guardam seus mistérios – em grande parte por fazerem a ligação entre a terra e o céu.

Em segundo lugar, porque a narrativa tem um simbolismo muito forte, de superação daquelas características que nos assombram, ou que a gente não reconhece e não enxerga e que, quando enxerga, tem muita dificuldade para transformar (que Jung chamaria de  ‘sombra‘). Note que o casal da história é de velhos, representando a fase da vida – a maturidade – em que conseguimos olhar para as nossas dificuldades e transformá-las.

E, por fim, mas não menos importante, escolhi essa narrativa porque ela fala de “demônios/ diabinhos”. Muitas pessoas ao contar histórias, não gostam de mencionar cenas mais fortes, seres maléficos ou punições. Mas temos que compreender, de uma vez por todas, que acontecimentos ruins fazem parte da vida e as histórias carregam imagens, símbolos desses acontecimentos reais da vida. As histórias preparam as crianças para a vida adulta, oferecendo material simbólico para o seu mundo interior.

Os demônios, aqui, representam os nossos medos, os nossos desafios internos, os nossos “monstros” e “dragões” escondidos dentro da gente.  Se contarmos a história com naturalidade, as crianças captarão a essência da imagem e a mensagem global da história. Se contarmos com preconceito, perderemos a chance de que a imagem atinja o mundo interior da criança e a fortaleça para a vida.

Ah, recomendo essa narrativa para crianças a partir de 6 anos e além!

Espero que aproveite mais essa história sobre fadas!

 

O Presente do Pardal

(Conto Japonês)

 

Era uma vez uma velha que morava com o marido à beira de uma floresta. O velho tinha um coração bondoso e seu bichinho de estimação era um pardal, com o qual brincava todas as manhãs e todas as tardes.

Dava ao pardal migalhinhas de seu próprio prato e lhe cantava canções. A esposa, por seu lado, vivia se queixando da criatura.

– “É barulhenta! Come demais! Suja a casa!” – resmungava. Nada disso era verdade, mas a velha costumava se queixar de tudo que existia sob o sol.

Um dia, o velho saiu para trabalhar no campo. Sua esposa preparou um pouco de goma e foi buscar as roupas para lavar, mas quando voltou, a goma sumira. Praguejou, se queixou e então o pequeno pardal voou até ela, estirou as asas, fez-lhe uma reverência e disse:

– “Eu comi a goma; sinto muito, mas pensei que era para mim!”

A velha, ao ouvir aquilo, ficou uma fera. – “Você come tudo que há nesta casa!” – berrou à ave e dirigiu-lhe nova série de impropérios. Então, num assomo de raiva, agarrou a pobrezinha com uma das mãos, uma tesoura com a outra e cortou-lhe a língua. – “Vamos ver se você consegue comer sem a língua” – gritou – “e se consegue cantar tão feliz!”

A pobre ave voou para longe, chorando de dor.

À tarde, o velho voltou para casa. Ao ver que o pardal não veio saudá-lo, ficou preocupado e alarmou-se, ao constatar que a avezinha não atendia aos seus chamados.

– “Deve ter ido para longe” – a esposa falou – “que bichinho mais ingrato! Depois de todo o bem que lhe fizemos”.

O velho não acreditou nas palavras da mulher e crivou-a de perguntas. Afinal, ela contou o que sucedera.

– “Oh, não!” – o velho exclamou horrorizado. –“ Você lhe cortou a língua!” – e quis precipitar-se para fora de casa, em busca da pobre ave mas, àquela altura, já anoitecera e sabia que seria inútil perscrutar a escuridão. Então esperou que o dia amanhecesse e, assim, que nasceu a aurora, correu ao bosque, assobiando e chamando pelo pardal. Pouco depois, a ave surgiu de uma moita de bambus. O velho desculpou-se insistentemente pelo que a esposa fizera e perguntou à ave se precisava de ajuda.

– “Por favor, não se preocupe” – respondeu o pardal sorrindo. O velho viu que havia nascido uma nova língua. – “Quero convidá-lo para vir à minha casa, no bosque” – disse o pardal ao velho. E então ele o seguiu até o fundo da floresta. Lá deparou-se com a mais bela casa que já vira e compreendeu, imediatamente, que seu bichinho de estimação não era um simples pardal, mas uma fada.

A fada-pardal apresentou o velho a toda a sua família, que lhe ofereceu uma magnífica refeição. As filhas da fada-pardal tocaram e dançaram e o velho ficou tão entretido que não viu o tempo passar. Afinal, notou que o sol se deitava no horizonte. – “Nossa!” – exclamou – “preciso voltar para casa!”

Ergueu-se, cumprimentou a fada-pardal com uma reverência, agradecendo-lhe a hospitalidade. A ave lhe apresentou duas caixas, uma grande e a outra pequena.

– “Por favor, leve uma delas de presente” – disse ao velho. Como não podia recusar, escolheu a menor. E correu para casa.

A velha estava furiosa com a demora do marido. E quando ele contou sobre o dia maravilhoso que passara na casa do pardal, ficou ainda mais zangada. – “Você me deixou sozinha, trabalhando o dia inteiro como uma escrava” – queixou-se – “enquanto você se divertia”.

O velho mais que depressa mostrou-lhe a caixa. – “Olha o presente que o pardal me deu!” E falou à esposa sobre as duas caixas que a ave lhe oferecera. A velha abriu rapidamente o presente, e para surpresa sua, jorraram moedas de ouro.

– “Que presente maravilhoso!” – exclamou o velho.

– “Quantas moedas mais não caberiam na caixa maior?” – a mulher lamentou. E durante toda a noite não conseguiu pensar em outra coisa senão na caixa maior cheia de ouro.

Na manhã seguinte, perguntou ao marido como havia chegado à casa do pardal.

– “Não vá lá!” – avisou-a. “Lembre-se que você lhe cortou a língua!”

Mas a velha, pensando somente no ouro, fez ouvidos moucos à admoestação do marido, e correu para a casa do pardal. Este ficou surpreso ao ver a velha, e toda sua família quis punir aquela mulher cruel. Mas a fada-pardal era bondosa e acolheu a velha gentilmente.

– “Meu marido me mandou buscar a caixa grande que ele deixou aqui” – declarou a velha esposa. Então a fada-pardal foi buscar a caixa e a entregou à velha que, mais que depressa, a pôs às costas e partiu. A caixa era extremamente pesada e a velha arfava mais e mais à medida que avançava pela floresta. Porém, a lembrança da grande riqueza que carregava às costas, dava-lhe ânimo para prosseguir. Finalmente, fez uma pausa para descansar e decidiu abrir a caixa. Desamarrou as cordas e espiou lá dentro.

Na mesma hora, saltou da caixa um bando de demônios que pularam sobre a velha e lhe deram uma bela sova. Ela gritava e gemia e fugiu o mais depressa que podia, mas os monstros a perseguiram, mordendo-lhe o calcanhar e puxando suas roupas. Saiu da floresta e ainda os diabinhos a atacavam. Então, à distância, viu o marido trabalhando no campo. Correu para ele e escondeu-se às suas costas.

– “Proteja-me!” – implorou. “O pardal está tentando me matar!” – gritou. “Que ave cruel e malvada!”

– “Não” – respondeu o velho, repreendendo a esposa. “Eu lhe disse para não ir procurá-la!”

Os monstros rodearam agressivamente o casal.

– “Você é que é malvada e por isso os demônios a atacaram!” – ele disse exasperado.

A velha nada respondeu. Somente tremia, agarrada às pernas do marido, até que os monstros, finalmente, regressaram à floresta. Porém, desse dia em diante, ela mudou de comportamento. Não se queixava mais, não perdia o controle e parou de gritar com as crianças da aldeia. A cada dia que passava tornava-se mais bondosa e gentil. E assim ela e o marido viveram felizes o resto de seus dias, cuidando carinhosamente dos presentes que a fada-pardal lhes dera – ouro, na caixa menor, e sabedoria, na caixa maior.

 

 

Se quiser conhecer a história anterior da Semana Especial Fadas, clique AQUI

2 thoughts on “Semana Especial Fadas – O Presente do Pardal – Conto Japonês

  1. Ana, obrigada por tamanha generosidade. sou contadora de Histórias já algum tempo e suas contribuições tem muito me favorecido. Adapto as histórias e como as que conto são musicais, crio a partir das histórias minhas próprias musicas. Tem sido valiosa sua colaboração para ampliação do meu repertório. Muito Obrigada e vida longa!!!

    1. Olá, Neide!
      Fico feliz por saber que o que venho compartilhando está te inspirando em suas criações e ampliando o seu repertório!
      As crianças e o público agradecem! Vida longa pra gente! Bjos

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