Imagem: foto da capa do livro original (arquivo pessoal)

 

Essa é uma outra história que a Susanne me enviou quando fiz o convite para que ela escolhesse uma narrativa para compartilhar, um conto que aquecesse o coração das pessoas. Já contei que ela me mandou quatro histórias, tamanha sua generosidade.

A primeira história que ela enviou  e compartilhei se chama Sara (veja AQUI). Já conhecemos a Sara, a menina ingênua.

Agora vamos conhecer Iossa. E o violino mágico!

Boa leitura!

 

Iossa e o violino mágico

(Elisabet Woska e Wilfried Hiller)

 

 

Era uma vez um carvoeiro com nome de Jeromir. Era grande como uma árvore e muito forte. E Iossa era seu filho.

Mas Iossa era pequeno e nem um pouco forte. Isso entristecia o velho Jeromir muitíssimo. Muitas vezes coçava a sua testa e suspirava: “Não sei o que ainda será de ti. Como você poderá se tornar um carvoeiro? Você é muito pequeno e nem um pouco forte. Quem carregará as suas árvores!”

Os lamentos do pai também entristeciam muito a Iossa, pois um fazia parte do outro.

Mas quando se passava na clareira onde moravam os dois e se via como estavam deitados na grama e como o sol brilhava nas suas pernas, podia-se pensar “isso é uma vida maravilhosa”.

Isso também teria sido assim se os dois não estivessem tão entristecidos. Assim se passava um dia após o outro. O sol brilhava sobre eles, a chuva caia do céu, mas Iossa não crescia.

Acontece que Iossa tinha um amigo que era um pássaro.

Naquela época, os carvoeiros ainda sabiam entender o canto dos pássaros.

Certo dia, quando o pássaro viu Iossa sentado sob uma árvore chorando, perguntou: “Por que?”.

“Ai! Porque tudo está tão ruim” disse Iossa “eu nunca poderei me tornar carvoeiro. Eu não consigo carregar árvores, meus ombros são muito estreitos.”

“Nem todos precisam se tornar carvoeiros” disse o pássaro. E isso é verdade. Então ele lhe deu um violino de pássaro, um violino mágico, não maior que uma pena. O arco era como uma graminha e as cordas tão finas como se fossem invisíveis. Ele lhe ensinou a tocar uma canção que soava tão bonito que tudo na floresta se aquietou.

“Uma canção mágica” disse o pássaro “quando você a toca, cada um que a escuta, sente um encantamento.”

 

“Eu poderia encantar o mundo inteiro com isso?”

“O mundo inteiro.”

“Também as pessoas?”

“Também as pessoas”.

“Ela também deixa forte?”

“Cada um que escuta os tons fica maior e mais forte”.

“Eu também?”

“Você não. Se você fosse maior, você não poderia mais tocar”.

 

“Então eu prefiro saber tocar” disse Iossa. Assim, o pássaro lhe ensinou a tocar a canção de trás para frente.

“Às vezes a gente precisa disso. Cada um que escuta, diminui de tamanho até ficar tão pequeno como uma perna de mosca”.

Tocar de trás para frente era difícil e soava estranho.

“Eu também poderia tocar para a lua? Ela também diminuiria e cresceria?” Perguntou Iossa ao pássaro.

“Sim”, disse este “mas você teria que encontrar o caminho até lá. Você teria que ir até o final do mundo, lá aonde a lua toca a terra e ela te escuta.”

“Eu vou encontrá-la. Então meu pai poderá ver isso daqui e se alegrar.”

Ele treinou a sua canção por sete dias, de frente para trás e de trás para frente. Depois disse ao seu pai:

“Por favor, me deixe sair daqui e sempre olhe para o céu, pois eu encantarei a Lua com o meu violino para você.  Então você poderá dizer a todos: esse é Iossa, o meu filho, ele sabe fazer isso.”

“Está bem, menino!” Disse o velho Jeromir. “Vá e eu esperarei aqui. Você também pode voltar, eu estarei sempre em casa.”

Iossa ainda lhe tocou algo no seu violino e o velho Jeromir sentiu tanta força que não sofreu pela ida de seu filho.

E Iossa se pôs a caminho. Mas o caminho era longo e o Iossa era pequeno. Logo, seus pés começaram a doer. Sentou-se na grama, pegou seu violino e tocou um pouco. Baixinho, só para si. Mas uma formiga estava ali sentada escutando. Ela começou a crescer e ficou maior que o próprio Iossa. “Isso é bom assim”, disse, “nós caminharemos juntos. A dois se anda mais facilmente.” Ele subiu nas suas costas e eles foram andando pelo país. Iossa encheu os ouvidos da formiga com musgo, para que ela nem crescesse mais e nem diminuísse quando ele tocasse. Assim o vento levava os sons. Camponeses que colhiam batatas nos campos escutavam às vezes dois ou três ou quatro tons maravilhosos. Aí se sentiam fortes, mas não sabiam o que era. Quando escutavam mais, cresciam. Muitos também ficaram menores quando ele tocava de trás para frente. Podemos ver isso até hoje: em toda parte existem pessoas menores e maiores.

O caminho até a lua não foi fácil de se achar. As pessoas riam quando Iossa lhes perguntava pela direção. Para gozar dele, também o mandavam às vezes para a direção errada, para lá ou para cá. Assim foi passando por quase todas os povoados e cidades. Ele tocava em praças, mas as pessoas passavam e não escutavam. Ele era pequeno demais e passava despercebido. Às vezes, uma vaca que estava por lá parada lhe escutava. Então ela crescia, ficava mais gorda e dava mais leite e talvez um camponês tenha se admirado com isso.

Uma vez Iossa passou por uma casa. Lá morava um diarista com nome de Burek e a sua mulher. Eles não possuíam nada a não ser um pequeno ganso que botava um pequeno ovo por dia. Era muito pouco para duas pessoas. Iossa bateu na porta e perguntou pelo caminho para a lua.

“O que adiantam mil caminhos para a lua se meu ganso não bota ovos” disse Burek. “Antigamente eu sabia o caminho. Aí chegaram os tempos de miséria e eu o esqueci.”

O ganso estava lá fora procurando comida. Iossa lhe tocou a música e ele começou a crescer, ficou grande e gordinho. O diarista ficou tão contente que se lembrou outra vez do caminho. Para lá e depois para cá, disse, até o campo de milho, aí tem que voltar a perguntar.

No mesmo campo cresciam também umas margaridinhas. Também elas começaram a crescer quando Iossa tocou. Ficaram grandes e imensas e amarelas como o sol – girassóis.

Quando chegou o outono, as sementes se espalharam e nasceram outras flores. Até hoje  as sementes de girassol tem um gosto de magia.

Quando Iossa chegou no campo de milho, lá aonde o caminho bifurca, encontrou uma senhora velhinha que tinha uma cabra. Esta senhora era muito pobre e não possuía mais nada além desta pequena cabra. E quando ele lhe perguntou pelo caminho para a lua, ela disse: “Ai! O caminho para a lua! De que servem mil caminhos para a lua quando a gente sofre de fome? Antigamente eu sabia este caminho. Aí chegou o tempo da miséria e eu o esqueci. Olhe aqui a minha cabra, ela quase não dá leite.”

 

Então Iossa tocou para a cabra e ela ficou grande e bonita. No seu pelego cresceu uma linda lã da qual a senhora podia tricotar blusas. Ela dava novamente leite e a miséria acabou. Aí a senhora se lembrou do caminho para a lua.

“Se você for por aí, reto, você chega a um campo de milho. Lá você tem que perguntar outra vez.”

No campo de milho não encontrou ninguém, somente um simples cavalo. A quem mais ele podia perguntar a não ser ao cavalo?

“Para mim, nada importa” disse o cavalo. “Caminho para a lua ou para o sol. Eu preferiria nem mais viver.”

 

“Por que?”, perguntou Iossa, “você é grande e forte, tem o bastante para comer e o sol bate nas suas costas.”

“Mas o camponês bate em mim. Ele coloca uma carga dupla porque acha que eu não sinto nada. Mas eu sinto muito, isso você pode me acreditar.”

Iossa então tocou a canção mágica de trás para frente. O cavalo ficou menor, um metro e cinquenta e três, e ele ficou feliz.

“Se eu pensar bem eu me recordo de novo do caminho para a lua. Pois todos os caminhos levam a lua. Você só tem que ir sempre em frente. Nunca pega à direita, nem à esquerda, então você chega até o fim do mundo. Atrás da floresta vem a água da qual a lua sobe toda noite. É lá.”

Se você encontrar hoje em dia um cavalo pequeno assim você vai ver que ele vai muito bem agora. Ele quase não precisa trabalhar e é sempre acariciado.

E Iossa continuou a cavalgar sobre a sua formiga e não desviou pela direita do caminho nem pela esquerda, chegando assim ao país das colinas azuis. As pessoas se admiravam com ele, pois lá ele era um estranho. Eles escutavam quando ele tocava e cresciam ou diminuíam. Ele ficou famoso e logo foi conhecido em todos os povoados e cidades. Às vezes eles esperavam pelo estranho pequeno menino sobre a formiga gigantesca.

Assim aconteceu que também o rei do país ficou sabendo do menino com o violino e a força mágica.

“Quem escuta, cresce” diziam as pessoas ao seu rei.

“E se ele não parar?” perguntou o rei.

“A gente continua crescendo sempre mais.”

“Então busquem-no  imediatamente!”

Como todos sabem, um rei nunca pode ser grande o suficiente. Os mensageiros levaram a ordem do rei a Iossa, mas este disse: “Não!”

Ele não gostava de reis e filhos de carvoeiros não se deixam mandar por nenhum rei do mundo. Quando o rei soube disso, ficou com muita raiva. Ele rugiu tanto que os lustres do palácio balançaram e gritou:

“Então tragam-no à força, ora!”

Ele enviou os cavaleiros azuis que deviam pegar o pequeno Iossa. Eles logo o avistaram. Iossa tirou o musgo dos ouvidos de sua formiga e tocou a sua canção. A formiga cresceu mais ainda e saiu num galope rasante.

Mas também os cavaleiros azuis não deixaram por menos. Eles apertaram o galope e se aproximaram cada vez mais. Então Iossa parou e tocou a canção do pássaro de trás para frente. Quanto mais perto os cavaleiros chegavam, menores ficavam. Pequenos como olhos de mosca, como pernas de mosquitos e se perderam na grama. Menos um. Ele não diminuía por mais alto e rápido que Iossa tocasse, pois era surdo. O homem azul se aproximou com toda a calma pegou Iossa com uma mão, pois era cem vezes mais forte.

Tomou seu violino, amarrou-o, colocou em suas costas e o levou perante o rei.

O rei mandou trancar o violinista mágico na sala de música. Quando todos estavam dormindo, ele fechou portas e janelas, pois ninguém deveria escutar um só tom da música encantadora. Somente ele, o rei. Ele queria crescer, só ele, e se tornar maior, o maior do país e do mundo todo.

“Comece, toque!” Ele lhe ordenou, mas Iossa tocou de trás para frente. O rei sentiu um formigar e pensou que era esta a magia. Só quando a coroa se tornou grande demais, ele começou a se admirar. Mas aí já era tarde. Iossa tocava e tocava e o rei ficava menor e menor, correu como uma mosca nas pontas de sua coroa e caiu, quando tinha o tamanho de uma pulga, de uma pedra preciosa e sumiu para nunca mais aparecer numa fenda no chão.

 

 

No dia seguinte houve um grande tumulto no palácio quando não se encontrou mais o rei. Todos corriam confusos para lá e para cá e cada qual tinha a esperança de se tornar rei e ninguém prestou atenção no menino com o violino. Iossa passou desapercebidamente pela sentinela e continuou sua caminhada pelo país das colinas azuis. Voltou a viajar pelo mundo. Ele fez ricos os mais pobres, fez pobres os mais ricos, os fracos mais fortes, os fortes mais fracos e chegou finalmente no fim do mundo. Lá ele ficou. E toda vez, quando a lua passa na frente dele em sua jornada, ele toca. Aí a lua cresce ou mingua. Isso vê o velho carvoeiro Jeromir da sua floresta e sabe que é Iossa, o seu filho que sabe fazer isso.

Às vezes, à noite, quando tudo está bem quieto e o vento vem desta direção, você consegue escutar um, dois ou três tons maravilhosos, como música.

 

Livro original: Der Josa mit der Zauberfiedel, de Elisabet Woska e Wilfried Hiller, Mainz Schott.

Tradução: Susanne Rotermund

 

Susanne Rotermund, artista. Autora do livro A África em nós – a cultura dogon, cadernos pindorâmicos 2, Editora Barany (veja AQUI)

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